segunda-feira, 18 de julho de 2016

Malakói (grego) e a pergunta que todo cristão deveria se fazer

Recentemente, um debate entre um polêmico deputado da bancada evangélica e um famoso youtuber teen reacendeu uma discussão teológica, linguística e cultural: que significado teria, na Primeira Carta aos Coríntios, o termo malakói? De mais a mais, a repercussão rendeu algumas boas respostas, tanto de canais confiáveis como o do Pirula, passando por canais não tão confiáveis assim, e culminando em respostas no mínimo curiosas, como a de outro famoso youtuber teen que usou e abusou de sua arte performática para interpretar algo como uma grotesca espécie de boneco de posto de gasolina.

As críticas ao ídolo jovem parecem ter se concentrado em um deslize de pequena monta: ter atribuído ao hebraico um termo grego. O equívoco é compreensível: praticamente todo o Antigo Testamento foi composto originalmente em hebraico, como é bem sabido. Mas sua interpretação também não deixa de ser passível de crítica. Com efeito, ele afirmou que o termo malakói significaria originalmente devassos, e não homossexuais. Já comentei no próprio vídeo que a tradução literal de malakós (plural malakói) seria brando, mole, complacente, fraco (equivalente ao latim mollis), e em sentido pejorativo, delicado, desleixado, submisso, suscetível e também covarde ou efeminado, em alguns contextos (sigo o Léxico de Liddel & Scott). Mas isso não responde à pergunta: em que contexto o autointitulado apóstolo escreveu a palavra? Bem, se o leitor aceita minha contribuição, tudo indica que ele de fato se referisse aos homossexuais. Em poucas linhas: primeiro, porque a lista de pecadores em Coríntios 6,9-10 inclui, logo após de malakói, também arsenokôitai, tradicionalmente traduzida por sodomita, e que significa, literalmente, “aquele que se deita com homens”, do grego arsēn (genitivo ársenos), macho e kóitē, kóitos, o leito nupcial ou o ato de ir para a cama. A Nova Versão Internacional traduz os dois termos por “homossexuais passivos e ativos”, respectivamente. Segundo, porque a posição de Paulo acerca da homossexualidade é bem conhecida, basta ler, por exemplo, o que diz na Carta aos Romanos (Rm 1,26-27).

Mas que importância tem, afinal, o que queria dizer Paulo? Que importa sua opinião acerca dos homossexuais, se sua opinião acerca das mulheres é que elas deveriam permanecer caladas nas assembleias (1Cor 14,34) e se ele condescendia com a escravidão (Cl 3,22)? A despeito de ele ter sido o mais proeminente ideólogo do cristianismo, suas ideias estão obviamente obsoletas: não condizem com a sensibilidade contemporânea e afrontam os direitos humanos, além de nem sequer encontrarem amparo nas próprias palavras do seu líder espiritual. Que importa, pois, o que Paulo disse ou deixou de dizer? Essa sim é a questão que todos os cristãos de hoje deveriam se fazer.

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