quinta-feira, 20 de abril de 2023

A palavra é... joia

 


A anedota é antiga: o personagem, que não devia ser um cidadão comum, já que estes, na época, não frequentavam esse tipo de ambiente, encontra um parlamentar no aeroporto, empurrando um daqueles carrinhos de malas, e o cumprimenta: “Tudo jóia, deputado?”, ao que este responde: “Não, metade é roupa”. Apesar de velha, ou por isso mesmo, ela merece uma atualização (um update, como preferem os falantes do brasileiro castiço): “Tudo joia, presidente?” “Não, metade é dinheiro vivo”.

Note o leitor que na primeira versão da história a palavra ainda possuía acento agudo, que ela perdeu na última reforma ortográfica, com todos os riscos que isso lhe trouxe de ser rebaixada à “mulher do joio” e, assim, dar azo a mais alguma piada de baixo quilate. Antes que isso aconteça, comecemos por separar o joio do trigo: este, o Triticum aestivum, originário do Oriente Médio, é o cereal mais presente na alimentação humana desde a Antiguidade, é rico em amido e seu nome vem do latim triticum, derivado por sua vez de tritus, que significa “moído, triturado” e de onde nos vêm triturar e atritar. Quanto ao joio (Lolium temulentum), costuma crescer no meio das plantações de trigo, sendo inclusive chamado de “falso trigo”, dada a semelhança morfológica entre as duas espécies, pertencentes, ambas, à família das gramíneas. O que permite diferençá-las é que, na maturação dos frutos, as espiguetas do trigo adquirem coloração castanha e apontam para cima, enquanto o joio produz espiguetas mais delgadas e escuras, que tombam para o lado. Ou seja, só é possível distinguir uma da outra depois de uma certa fase de crescimento, e isso explica e justifica a parábola bíblica.

Favor não confundir o joio com o shoyu, o tradicional molho de soja japonês, cujo nome deriva do chinês shi-yu, composto de shi, “grãos salgados” e yu, “óleo”. Tampouco pense o leitor menos dotado de dons culinários que ele possa ser substituído pelo nosso corriqueiro óleo de soja, porque aí vai errar rude. Ainda sobre o joio, consta ser um narcótico devido a um fungo endófito que geralmente o infecta, e que produz toxinas e o alcaloide lolina, isolado pela primeira vez nessa planta, chamada lolium em latim. Por isso o “temulentus” do seu nome científico, que em latim quer dizer “bêbado”. O usuário deve ficar Ben 10, mesmo, capaz até de tentar passar por uma alfândega internacional sem declarar uma caixa de 16 milhões de reais no fundo da mala! Essa alfândega, a propósito, é outra daquelas palavrinhas árabes como alface, álcool, algodão, almôndega, alcova, alambique e alicate, introduzida na Península Ibérica durante o domínio islâmico. Sim, também os alvarás e os tão decantados algoritmos, esses que hoje servem mais para espalhar esse anglicismo terrível que atende pelo nome de fake news.

Mas voltemos ao assunto, porque a joia não tem nada quer ver com nada disso. A palavra, bem antes de chegar ao registro informal da nossa língua, nos veio do francês joyau, que já significava qualquer “objeto de matéria preciosa”. No francês antigo era joie, que, no moderno, significa alegria, o que aponta para o fato de elas serem formadas pelo mesmo radical. Não por acaso, “precioso” e “apreciar” são também parentes, derivadas do latim pretĭum, “preço, valor”. Não esqueçamos que “apreciar”, assim como “estimar”, tanto significam “ter apreço” quanto “avaliar, julgar”, ou seja, ponderar o valor de algo ou alguém. E “ponderar” nos vem do latim pondus, ponderis, que quer dizer “peso”. Já ouvi que as malas do ex-presidente valem seu peso em ouro. E em diamantes, claro, que são eternos. O mesmo já não se pode dizer do seu proprietário, que, se por acaso vale seu peso, sê-lo-á, por certo, em matéria bem menos nobre.

Já o diamante vem do latim vulgar diamas, diamantis, provável corruptela do latim clássico adămas, adamantis, por sua vez proveniente do grego adámas, adamantos, no sentido de “metal inalterável, duro”, também sinônimo de aço. Nem é preciso ser particularmente fã da Marvel Comics para ter lembrado agora do esqueleto de adamantium do Wolverine. A composição dessa liga metálica fabulosa não é conhecida, mas a origem do nome garanto que é essa aí. De resto, o termo grego também é empregado como adjetivo, no sentido de “inflexível, inquebrável”, assim como esperamos que seja a justiça brasileira em casos de contrabando de peças de joalheria por autoridades do alto escalão do poder executivo. Taca-lhe pau, Xandão!

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