Para aquém dos aspectos éticos em que se
desdobra a questão da descriminalização do aborto (que o STF, a propósito, não fez…), um detalhe que me desperta a
curiosidade é o aspecto psicológico – ou psicopatológico – de quem se opõe ao
aborto por princípio, mas que o admite
em caso de violência sexual. Porque seus argumentos filosóficos, morais ou
religiosos não passam, em última análise, de racionalizações para camuflar seu ressentimento, como gostava de dizer
Nietzsche. O que faz com que o ressentido fique indignado diante da
possibilidade de que uma mulher interrompa uma gestação indesejada é o
julgamento de que ela deve ter tido um prazer inconsequente, que ele próprio
gostaria de ter, mas que não se permite – pelo menos não sem uma boa dose de
medo das suas consequências. Uma vez que não consegue dar livre brida a esse
desejo, ele passa a exigir, em compensação, que todo mundo também o reprima, ou
então que suporte suas consequências até o fim. E é por isso que ele julga que,
uma vez descriminalizado o aborto, todo mundo ao seu redor deixará de se
reprimir, coisa que ele vê como decadência moral. Sua atitude, na realidade, é
apenas a confissão de que ele é reprimido demais para aderir a essa onda que
ele acredita que iria suceder.
Não estou falando daqueles fundamentalistas
que condenam o aborto em toda e qualquer circunstância, embora estes também devam
sofrer da mesma síndrome, em estágio bem mais avançado. Também não falo dos
meramente legalistas (os fundamentalistas do Direito), cuja opinião flutua de
acordo com a lei vigente, e aceita o aborto de anencéfalos apenas porque, afinal,
a lei permite, não permite? Estou falando exclusivamente daqueles que não admitem o “assassinato
de um bebê no útero” – exceto em caso de estupro. Ora, uma vez que o feto é tão
inocente num caso quanto no outro, o que mais pode justificar esse relativismo
a não ser o simples fato de que no segundo caso se considera que a vítima não
teve prazer? Para esses ressentidos, portanto, a proibição do aborto não é nada
mais que uma punição que se deseja
impor a toda mulher que se permitiu
ter um prazer de cujas consequências ela decidiu fugir. E que muitas e muitas
vezes eles mesmos também têm, mas depois ficam rezando para não ter acontecido
“o pior”. E esse pavor os compele a condenar toda mulher (ou todo casal) que
não teve a mesma sorte que eles. Tudo isso não passa de mero ressentimento, e
não de alguma espécie de consideração humanitária, quer pelos pais, quer por
esse ser que eles insistem que deve ser trazido ao mundo para, também ele, sofrer.
Valhei-nos, São Nietzsche!
De minha parte, sou plenamente a favor
da vida: cada um cuidando da sua e deixando a dos outros em paz.
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