segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O que a redação do Enem pode ensinar sobre os debates eleitorais


charge: Sampaio

Tenho notado que os candidatos à cadeira presidencial, pelo menos aqueles que podem participar dos debates, têm discursos muito parecidos com os das redações do Enem. O que é justificável, afinal eles também estão sendo julgados pela sua competência em compreender uma questão de caráter social, selecionar, relacionar, analisar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, aplicar conceitos de várias áreas do conhecimento para desenvolver o tema, elaborar uma proposta de intervenção, que já devia estar pronta em todos os programas de governo, e de quebra ainda demonstrar um bom domínio da língua e dos mecanismos de argumentação. Pode parecer muito para um concluinte do Ensino Médio, mas é o mínimo que se espera de um presidente da República. Pensando nisso, resolvi avaliar as falas dos candidatos e atribuir-lhes uma nota, como mero exercício de raciocínio.

O Coronel Ciro é o típico redação nota 1.000. Articula perfeitamente bem a norma culta, como em todas as suas aparições públicas em que não usa impropérios (ou seja, em muito poucas). Vale lembrar que o uso de baixo calão é um critério de anulação, o que nos lembra o quanto é tênue a linha que separa a genialidade da loucura. O candidato apresenta um excelente domínio das estruturas sintáticas, enriquece as respostas com referências e um vasto repertório sociocultural, e sempre atende ao tema da questão e à tipologia textual. Parece até que ele nasceu dentro de um debate e nunca saiu de lá. Na história recente do país, só é comparável ao Dr. Meu Nome É Enéas Carneiro.

A Blablarina, o Picolé de Chuchu e o Boulos, que ainda não conseguiu merecer nem um apelido, são os casos prototípicos do nível 4. Apresentam poucos desvios gramaticais e um bom domínio da sintaxe, trazem algum repertório sociocultural, atêm-se geralmente ao tema e ao tipo dissertativo-argumentativo, mas não saem do senso comum, é sempre aquele mesmo discurso engessado. Ou mumificado, para ser mais exato.

Alguns candidatos que não puderam participar dos debates, a julgar pelas entrevistas, ficariam com um honroso nível 3, ao lado do Henrique Me Chama Que Eu Vou Meirelles. Argumentação previsível, domínio mediano do gênero dissertativo e nenhum repertório sociocultural legitimado. Sim, não vale citar dados que não tenham embasamento em nenhuma área do conhecimento. Provas indiciais, por enquanto, só servem para condenar lideranças políticas barbudas, digo, corruptas.

Álvaro Dias também estaria no mesmo nível, se não desse sempre a mesma resposta para todos os temas. Por esse tangenciamento do tema, ele não pode passar do nível 1 na competência II, o que baixa bastante sua nota final. Abre o olho, candidato!

A mesma coisa acontece com Jair Ele Não Bolsonaro, que, quando não zera por fuga ao tema, ainda é penalizado na competência V por desrespeito aos direitos humanos. Como logo este ano isso deixou de ser um critério de anulação, ele é capaz de ficar num nível 0, nesse quesito, e ter o restante da prova avaliado normalmente. Mas também não vai muito mais longe nas demais competências. Sua melhor pontuação talvez seja na competência I, ou seja, no domínio da norma culta, na qual ele ficaria com uma bela nota 2. Para que se tenha uma ideia mais clara do que isso representa, imagine que o nível 1 seja a Dilma falando, nos seus momentos mais inspirados, enquanto que o nível 0 seria algo assim como a Weslian Roriz.

Por fim, o Cabo Daciolo, mesmo falando em línguas estranhas, ainda teria sua redação avaliada normalmente, se produzir pelo menos sete linhas em língua vernácula. Porém ele tem sua redação zerada pela presença de “parte desconectada”, o que eu chamo carinhosamente de “situação miojo”. Isso, claro, quando não zera por fuga ao tema, que este ano passou a ter prevalência sobre o critério anterior. Não é nada que deponha contra a sua proficiência em geral. Ele apenas não foi avisado que discurso religioso anula a redação. Mas se o Boçalnato vencer o pleito, ele pode ficar tranquilo, porque o candidato garante que isso é parte da doutrinação comunista, e promete abolir essa norma nos próximos certames. Glória a Deus!




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