charge: Sampaio
Tenho notado que os candidatos à cadeira presidencial, pelo
menos aqueles que podem participar dos debates, têm discursos muito parecidos
com os das redações do Enem. O que é justificável, afinal eles também estão
sendo julgados pela sua competência em compreender uma questão de caráter
social, selecionar, relacionar, analisar, organizar e interpretar informações,
fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, aplicar conceitos
de várias áreas do conhecimento para desenvolver o tema, elaborar uma proposta
de intervenção, que já devia estar pronta em todos os programas de governo, e
de quebra ainda demonstrar um bom domínio da língua e dos mecanismos de
argumentação. Pode parecer muito para um concluinte do Ensino Médio, mas é o
mínimo que se espera de um presidente da República. Pensando nisso, resolvi
avaliar as falas dos candidatos e atribuir-lhes uma nota, como mero exercício
de raciocínio.
O Coronel Ciro é o típico redação nota 1.000. Articula
perfeitamente bem a norma culta, como em todas as suas aparições públicas em
que não usa impropérios (ou seja, em muito poucas). Vale lembrar que o uso de
baixo calão é um critério de anulação, o que nos lembra o quanto é tênue a
linha que separa a genialidade da loucura. O candidato apresenta um excelente
domínio das estruturas sintáticas, enriquece as respostas com referências e um
vasto repertório sociocultural, e sempre atende ao tema da questão e à
tipologia textual. Parece até que ele nasceu dentro de um debate e nunca saiu
de lá. Na história recente do país, só é comparável ao Dr. Meu Nome É Enéas
Carneiro.
A Blablarina, o Picolé de Chuchu e o Boulos, que ainda não
conseguiu merecer nem um apelido, são os casos prototípicos do nível 4.
Apresentam poucos desvios gramaticais e um bom domínio da sintaxe, trazem algum
repertório sociocultural, atêm-se geralmente ao tema e ao tipo
dissertativo-argumentativo, mas não saem do senso comum, é sempre aquele mesmo
discurso engessado. Ou mumificado, para ser mais exato.
Alguns candidatos que não puderam participar dos debates, a
julgar pelas entrevistas, ficariam com um honroso nível 3, ao lado do Henrique
Me Chama Que Eu Vou Meirelles. Argumentação previsível, domínio mediano do
gênero dissertativo e nenhum repertório sociocultural legitimado. Sim, não vale
citar dados que não tenham embasamento em nenhuma área do conhecimento. Provas
indiciais, por enquanto, só servem para condenar lideranças políticas barbudas,
digo, corruptas.
Álvaro Dias também estaria no mesmo nível, se não desse
sempre a mesma resposta para todos os temas. Por esse tangenciamento do tema,
ele não pode passar do nível 1 na competência II, o que baixa bastante sua nota
final. Abre o olho, candidato!
A mesma coisa acontece com Jair Ele Não Bolsonaro, que,
quando não zera por fuga ao tema, ainda é penalizado na competência V por
desrespeito aos direitos humanos. Como logo este ano isso deixou de ser um
critério de anulação, ele é capaz de ficar num nível 0, nesse quesito, e ter o restante da prova avaliado normalmente. Mas também
não vai muito mais longe nas demais competências. Sua melhor pontuação talvez
seja na competência I, ou seja, no domínio da norma culta, na qual ele ficaria com uma bela nota 2. Para que se tenha uma ideia mais clara do que isso representa,
imagine que o nível 1 seja a Dilma falando, nos seus momentos mais inspirados,
enquanto que o nível 0 seria algo assim como a Weslian Roriz.
Por fim, o Cabo Daciolo, mesmo falando em línguas estranhas,
ainda teria sua redação avaliada normalmente, se produzir pelo menos sete
linhas em língua vernácula. Porém ele tem sua redação zerada pela presença de
“parte desconectada”, o que eu chamo carinhosamente de “situação miojo”. Isso,
claro, quando não zera por fuga ao tema, que este ano passou a ter prevalência
sobre o critério anterior. Não é nada que deponha contra a sua proficiência em
geral. Ele apenas não foi avisado que discurso religioso anula a redação. Mas
se o Boçalnato vencer o pleito, ele pode ficar tranquilo, porque o candidato
garante que isso é parte da doutrinação comunista, e promete abolir essa norma
nos próximos certames. Glória a Deus!
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