O conceito de ordem, em latim ordinis, em inglês order, em francês orne, em espanhol órden, em italiano ordine, os senhores estão anotando? Isso é o que já diria o ordeiro Capitão Nascimento, personagem central do aclamado Tropa de Elite (José Padilha, 2007), em uma passagem que até lembra o eterno ensinamento do não menos famigerado Professor Girafales: “dizia eu que a aritmética…”. Vou retomar o raciocínio.
Dizia eu que o conceito de ordem é proveniente da improvável área de conhecimento da tecelagem ou tecelaria. Com efeito, o radical ord-, que é panromânico, conforme nos ensina Houaiss, e como pudemos comprovar nos exemplos acima (de tal sorte que eu nem saberia dizer por que causa, motivo, razão ou circunstância terá ido parar na língua inglesa, coisa que aparentemente não aconteceu em outras línguas anglo-saxônicas), tem seu significado mais primitivo relacionado à ordem dos fios em uma trama, conexo ao verbo ordire, urdir; por extensão, passou a significar “fila, fileira, alinhamento” (notem a palavra “linha” ali no meio, senhores; vou pedir isso na prova); e só então a “classe a que pertence um cidadão; ordem (sacerdotal); posto, ordem de batalha” (onde essa “ordem” ainda não é um comando, mas uma disposição, um arranjo, uma organização metódica). Do sentido mais primitivo decorre o de “série de acontecimentos ou fatos que se sucedem; sequência, sucessão” e, dos derivados, as noções de “procedimento, técnica ou meio de se realizar algo; método, processo”, de “obediência às normas; disciplina” e, por fim, a consequente “determinação de origem superior, de autoridade; mandado, prescrição, ordenação”. A explicação de Antenor Nascentes é a de que para “por em ordem” é preciso “exercer o mando”, donde, pois, o verbo ordenar no sentido de “mandar”. Em Portugal, ordenador é também o que no Brasil ficou conhecido como computador ou simplesmente PC (do inglês personal computer), talvez porque ele comanda, manda e desmanda, como informa Gilberto Gil na canção Cérebro Eletrônico, do álbum homônimo de 1969.
Apenas para ilustrar algumas dessas acepções, suponham os senhores que um determinado personagem é alinhado ao ideário de uma personalidade política influente: isso quer dizer que ele engrossa as fileiras dos seus seguidores. Por uma casualidade do destino, o político é eleito presidente de uma republiqueta, e, por uma espécie de ordenação, o personagem alcança o posto de braço direito, digo, de ajudante de ordens, passando de pronto a receber (e a cumprir) das tais (mesmo as mais estapafúrdias, mas quem sou eu para julgar), isto é, torna-se um subordinado (não preciso explicar o prefixo latino sub-, né?). Apenas para dar colorido à narrativa, suponham que o personagem em questão seja um militar; um tenente-coronel, digamos, ou qualquer coisa que o valha na hierarquia (do grego hierós, “sagrado” e arkhé, “comando, autoridade”). Nosso personagem estaria pronto para participar das mais diversas tramas (urdiduras), tais como adulterar cartões de vacinação, tentar desembargar regalos retidos em uma alfândega ou efetuar depósitos em dinheiro vivo na conta de uma primeira-dama bonitinha mas ordinária.
Pois sim, senhores, do mesmo radical ord- derivam as palavras ordinário, no sentido de “conforme à ordem, à regra; usual, costumado” e que mais tarde viraria “medíocre, vulgar; mesquinho, reles, inferior; indecente, obsceno” e mais um monte de sinônimos que vão daí pra baixo (afinal, como ensinou nossa eterna Santa Rita de Sampa, tudo vira bosta), e extraordinário, que é literalmente aquilo “que foge ao usual, fora do comum; excepcional, notável; fabuloso, inacreditável”, e por aí afora. Como dizia Carl Sagan, afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias; mas se o homem de ciência conhecesse o noticiário político brasileiro, saberia que para cumprir ordens esdrúxulas, quanto mais reles, melhor. Houaiss informa, ainda, que o latim ordinarius também designava um “escravo que vigiava e mandava nos outros escravos”. Não espantaria que, no nosso exemplo hipotético, o ajudante de ordens comandasse um ou outro esquema fora das regras estabelecidas, repassando a outros subordinados as ordens recebidas do seu superior imediato. Claro que ele não seria o primeiro nem o último a aprontar dessas e de outras mais, o que apenas me faz lembrar que “primeiro” é um numeral ordinal…
O leitor atento terá observado que em francês o radical parece ter sofrido uma modificação. De fato, a síncope da sílaba di do latim hipotético or(di)nare teria sido a origem do verbo ornare, que, de acordo com Francisco Torrinha, significa “aprestar, preparar, aparelhar; equipar, guarnecer; embelecer, ornar, pentear os cabelos; dar lustre ou relevo a, distinguir, honrar; gabar, elogiar, louvar, exaltar”. A língua portuguesa herdou o verbo ornar e seus derivados, além do radical orn- em palavras como adorno e exornar, mas também suborno, que originalmente devia se referir a algum tipo de ornamentação feita em segredo, por debaixo dos panos; o tipo de coisa que, quando flagrada, costumava ser recebida com louvores do tipo “bonito, hem?!”.